Você quer que eu te conte tudo sobre ele?

Ia até o SESC. Caminhando. Era sábado de sol, mas as árvores desenhavam uma agradável sombra. O amigo com quem eu iria me encontrar furou. Normalmente isso me irrita, ele sempre fura, mas o dia estava bonito e eu relaxei.Gostei tanto da caminhada que me atrasei também para o show que pretendia ver. No caminho, os varais pendurados de Héctor Zamora me chamaram para o museu do Centro Universitário Maria Antonia da USP. Entrei. Vi, me encantei , fotografei e fui descobrir as outras exposições. Um segurança me acompanhou, precisava ter certeza de que eu não fotografaria as outras obras. Vi a 2ª, a 3ª, na última exposição decidi conversar com ele, minha única companhia no museu. O Sr. Segurança havia me perguntado se eu era artista ou professora. Disse que não, que era apenas uma pessoa. Ele riu. Perguntei se ele gostava de arte. Ele disse que sim, mas que não entendia disso, precisava que alguém lhe explicasse o que via. Eu disse que também não entendia, que via tudo, lia (as vezes) as explicações nas paredes e decidia, como uma criança espontânea, se gostava ou não. Ele me perguntou se eu tinha ido à Bienal. Disse que sim, mas só no 1º andar. Ele me perguntou se eu conhecia o Bispo do Rosário (exposto em um dos andares superiores da Bienal). Eu disse que um pouco. Me perguntou se eu sabia sua história. Disse que só sabia que viveu a vida em um manicômio fazendo sua arte. E ele então me perguntou quase saltitante: “Você quer que eu te conte tudo sobre ele? Tem um tempinho pra ouvir?”. Eu surpresa:”Claro que sim!!” E assim, um sábado de sol, um amigo furão e os varais pendurados de Zamora me levaram a uma das melhores aulas de arte que já tive, e o Sr. Segurança virou Sr. Erasmo, que com os olhinhos brilhantes e passinhos em círculo me passou de forma simples, bonita e empolgante o que um dia outro alguém lhe explicou. Que me fez ver tudo o que eu ainda não tinha visto de Bispo do Rosário. E agora eu, como uma ovelhinha do rebanho de contadores de histórias, me sinto sedenta para passar isso adiante, para apenas umas pessoas, espero de forma tão simples, bonita e empolgante como o Sr. Segurança, que se tornou Sr. Erasmo, me contou um dia.

 

De 29 novembro 2012 a 10 março 2013

terça a sexta, 10 às 21h

sábados, domingos e feriados, 10 às 18h

Centro Universitário Maria Antonia- USP

rua Maria Antonia, 258 e 294- São Paulo

Entrada gratúita

 

Incríveis acasos possíveis: aulas espontâneas com Sr. Erasmo

 

Postado por Taícia

Hoje fui à feira

Hoje fui à feira. Sempre adorei ir à feira. Lembro quando pequena ia com minha avó e saía com o carrinho carregado. Até calcinha minha avó me comprava na feira. Adorava todo mundo gritando, sorrindo, oferencendo todas as frutas para que eu provasse, adorava a pexinxa e a chepa no finzinho do dia. E depois de carregar meu carrinho amava parar no final da feira, sentar na sargeta e me acabar de comer pastel e tomar um caldo de cana gigante com muito gelo e limão. Cresci. Voltava das noites de carnaval e lá estava eu na feira, curando a bebedeira e indo dormir feliz. Fiquei dois anos fora, aproveitando as feiras do mundo. Sem o pastel e o caldo de cana, mas com todo o resto acontecendo da mesma forma. Amava. Voltei!

Hoje fui à feira. E não encontrei a feira. Alí estavam apenas quatro barraquinhas, uma de frutas, uma de verduras, uma de peixe e uma de pastel. Deviam ocupar não mais que 30 m emparelhadas em um só lado da rua. Ninguém gritava. Uns poucos ainda sorriam. Não tinha pexinxa nem caldo de cana. Comprei um brócoli e um pastel. Carreguei o brócoli com facilidade e levei o pastel pra comer em casa. Fiquei triste. Triste de saber que mais uma vez deixamos o espaço público para nos fechar em super casas, condominios e malls. Percebi que desde que cheguei  (há menos de uma semana) já fui três vezes ao shopping. E eu odeio shopping malls. Aliás, achei a feira ‘sobrevivente’ no caminho para o shopping de frutas. Quero voltar para as ruas. Pexinxar e rir com os feirantes. Encontrar os vizinhos, carregar o meu carrinho até que as rodas entortem de tanto peso e no fim, quero simplesmente sentar na sargeta e me acabar de comer pastel e tomar caldo de cana gigante com muito gelo e limão.

 

Today I went to the open market. I have ever loved to go there. I remember when my grandmother used to bring me to the open market. Then we used to fill her cart with tones of products. Even underwear she used to buy to me. I loved everybody shouting, smiling, offering me the fruits to try, loved to ask for discounts and the cheaper princes in the end of the day. After filling the cart until the top I loved to seat on the sidewalk enjoying a pastel (typical fried food from Brazil) and to drink sugar cane’s juice with lots of ice and lemon. I grew up. Then early in the morning, on my way back from the carnival nights, I used to stop by the open market to recover from the drinks by eating pastel and drinking sugar cane’s juice. I have spent two years abroad, enjoying the open markets in other places in Europe. Without the pastel or the sugar cane, but still with happy shouting people and all the fun one can get in the open market. I loved it all. Now I am back in Brazil.

Today I went to the open market. But I did not find an open market. Instead, I found only four tends, one selling fruits, another with the vegetables, the third selling fish and the last selling pastel. They might were occupying no more than 30m side by side along the street. None was shouting. Few were smiling. There was no negotiation or sugar cane juice. I bought a broccoli and a pastel. I carried the broccoli easily on a bag and brought the pastel to be eaten at home. I felt sad. Sad because I noticed one more time people left the public space to lock their selves in super houses, condominiums and malls. I realized that since I arrived here (less than one week ago) I have been already three times on a shopping mall. And I hate shopping malls. Actually I found the ‘survivor’ open market on the way to the fruit’s mall. I want to come back to the streets, to meet the neighbors, to fill my cart with so many items that it becomes impossible to carry. And in the end, I simply want to seat on the side walk, with my pastel and a huge sugar cane juice with lots of ice and lemon.

 

 

Postado por: Taícia

Praça=Platz=Lugar

Acredito no espaço público como extensão de nossas casas. Outro dia percebi que em alemão a palavra usada para praça (Platz) é a mesma usada para lugar (Platz). Fiquei feliz e surpresa quando, no trem, me perguntaram se aquele era o meu lugar (Platz). Respondi que sim e pensei, então a praça é o meu lugar!?. Não só a praça, mas o espaço público que só tem sentido de existir quando apropriado. Era isso o que eu não encontrava na minha rotina em São Paulo e foi exatamente isso que encontrei em Berlim. Uma cidade que te aceita e aceita ser apropriada descaradamente. E hoje, quase meia noite,  encontrei um bom exemplo na apropriação da parede de trás de um supermercado. Alí, a simples projeção trouxe vida pra aquele lugar (Platz) já apagado e sem uso. E lá as pessoas paravam, olhavam, sorriam e deviam enfim seguir para suas casas, ou melhor para seus quartos, porque a cidade é a sua casa, seu lugar, seu ‘Platz’.
I believe in the public space as an extension of our homes. Other day I realized that in German the word for ‘square’ (Platz) is the same used for ‘place’ (Platz). I was surprised when, in the train, someone asked me if that was my place (Platz). I answered yes and thought, then the square is my place!? Not only the square, but the public space in general, that only makes sense when appropriated. This was what I did not have on my rotine in São Paulo. This is what I find everyday in Berlim. A city which accepts you and accepts to be insistently appropriated. Today, almost mid night, I found an example of this approppriation on the parking lot’s wall of a supermarket. There, a simple projection brought life to the already unused place (Platz). There, people stopped, watched, smiled and probably followed to home, or rather, followed to their rooms, because the city is their home, their place, their Platz.
Postado por: Taícia